Dom Bosco: educação e santidade

J. B. Teixeira – Jornalista

Estive em Turim algumas vezes, se bem lembro sempre a trabalho. Numa delas meu pai estava comigo.

O deixava só durante o dia e na primeira noite dei algumas risadas com sua capacidade de improviso. Não ficava no hotel. Cruzava o Rio Pó, perto do hotel, e se aventurava pelo centro da capital do Piemonte. Como se alimentara na hora do almoço? Me aproximo do balcão e aponto para o que quero. Depois mostro ao atendente algumas cédulas para pagar. Ele pega o necessário e me dá o troco…

Soube por ele que o Santo Sudário encontra-se na Catedral de Turim, que visitamos. E que aquela cidade é considerada a capital mundial do satanismo. Perguntei a pessoas com as quais interagi profissionalmente e as mesmas, acusando nítido medo sobre o tema, confirmaram que tal hipótese é verossímil.

Na melhor das vezes o dono da empresa que visitava, ao saber que aprendera um pouco de italiano, me convidou para jantar. Lutara na segunda guerra e quando voltou a Turim não sabia se os seus familiares estavam vivos, nem eles sabiam de seu paradeiro. Foram momentos preciosos, acompanhados pela ótima culinária piemontesa e vinho tinto. Esquecemos da hora…

Quando cheguei no hotel em que normalmente me hospedava o recepcionista me disse que não havia lugar disponível. Início da madrugada, dormi no carro, em lugar visível da recepção. Lá pelas seis o rapaz me acordou. Lavei o rosto, escovei os dentes e tomei o rumo da Alemanha.

Pois bem, tantas vezes por lá e desconhecia a história de Dom Bosco, o grande santo que dedicou sua vida à educação de meninos pobres e iniciou sua extraordinária obra em Turim. Desde então jovens de inúmeras gerações tiveram sua existência salva pela dedicação de um sacerdote que viveu debaixo de privações, enfrentou enormes dificuldades para regularizar a ordem dos Salesianos, tendo padecido perseguições de todo tipo, até mesmo dentro da Igreja.

Confessor emérito, com extensa lista de milagres, Dom Bosco a tudo reagiu com a serenidade dos santos, num tempo em que o fogo do anticlericalismo tinha chamas altas. Órfão de pai antes de completar dois anos, teve na mãe o arrimo espiritual. Dono de memória prodigiosa, relembrava as palavras maternas depois da devastação da vinha por uma chuva de pedra: “Baixemos a cabeça meus filhos. Deus nos tinha dado esses lindos cachos de uva. Deus no-los tirou. Ele é o Dono. Para nós é uma provação; para os maus é um castigo”.

Quando recebeu seu hábito de seminarista ouviu da mãe uma prédica que jamais esqueceria:

Meu Joãozinho, acabas de vestir batina. Podes calcular de que alegria e doçura este fato enche o meu coração. Lembra-te, porém, que não é o hábito que honra o teu estado, mas as virtudes que praticares. Se por desgraça vieres um dia a duvidar de tua vocação, por caridade! Não desonres a batina! Deixa-a imediatamente, porque prefiro ter como filho um pobre camponês, antes que um padre negligente nos seus deveres”.

Agostino Auffray, salesiano, autor da biografia de Dom Bosco cuja leitura estou a concluir, tinha acesso a extenso material histórico e valeu-se dos depoimentos de muitos que conviveram de perto com o santo. Pragmático, afirmava que “o ótimo é inimigo do bom” e lutou para crescer em virtude, renunciando, por exemplo, à paixão pelo jogo de cartas.

Convidado a ministrar aulas de grego para alguns jovens abastados, compreendeu que aqueles jovens “não eram os que lhe estavam destinados. Simpáticos, bem educados, de inteligência perspicaz, tudo isso eram na verdade; mas faltava-lhes a energia da vontade e a muita riqueza os estragava”.

Para realçar as agruras de Dom Bosco, Auffray lembra que “A santidade é sempre fruto de árdua conquista e não se encontra como se encontra a realeza no berço de um príncipe herdeiro”. Dom Bosco “caminhava para a frente com os meios e os homens de que dispunha, fazia o bem sempre que podia fazer, e da maneira como podia; fazia fogo com a lenha que tinha”.

Tomei conhecimento pela biografia de Dom Bosco que em 1848 o Papa Pio IX correu o risco de ser apanhado por revolucionários. Na noite de 23 de novembro Pio IX saiu por uma porta secreta e entregou-se à proteção do Embaixador da Baviera, “que o aguardava a pouca distância numa carruagem fechada”. Foi levado para o Reino de Nápoles, onde permaneceu exilado por seis meses como hóspede do Rei Fernando de Bourbon. A Itália ainda estava longe da unificação.

Em 1873 a Igreja, atacada por seus inimigos, buscava um entendimento com o poder temporal para a nomeação de bispos. Quando as coisas pareciam encaminhadas, tendo Dom Bosco sido convocado para auxiliar na negociação, o chanceler Bismarck pôs água no chope, afinal “o anticlericalismo devia ser para a Alemanha artigo de exportação”. Como a sorte política da Itália dependia da Prússia, o problema prosseguiu.

Sempre lamento minha ignorância em tantas coisas, responsável por não ter privilegiado certas visitas em locais históricos. Se um dia retornar a Turim haverei de conhecer a obra da Congregação Salesiana, cujos primeiros representantes chegaram no Brasil em 1883. Dom Bosco faleceu em 1888 e foi canonizado em 1934.

Quase um século depois o anticlericalismo segue visível e já colheu muitos frutos, um dos quais é a diminuição de escolas católicas, com o consequente empobrecimento na formação da sociedade.

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