Da Epopeia Marítima ao “Mondego”

Somos um país de marinheiros. Portugal moldou o nosso planeta com esse legado. Somos, inegavelmente, os pioneiros da globalização e da geopolítica. Mas a voz dos nossos egrégios avós, vai sendo lentamente apagada das brumas da memória por uma sociedade que parece ter vergonha dos mares da história navegados pelo nosso Portugal.
Fomos por estes dias, surpreendidos com a recusa de parte da guarnição do NRP (Navio da República Portuguesa) “Mondego” em embarcar numa missão, alegando falta de segurança.
Se o acto destes treze marinheiros foi bravura ou insubordinação, só a história, e apenas a história, irá julgar, pois tal feito, concretizado no seio das Forças Armadas, é demasiado complexo para ser julgado pelo calor momentâneo dos homens em terra. A linha que separa a bravura da insubordinação, risca-se quase sempre em areias muito movediças, traiçoeiras e facilmente manipuláveis. Porém, qualquer que seja a leitura ou julgamento que se faça, seja porque os militares “despiram” a farda da responsabilidade e condição castrense, seja porque o poder político abandonou as suas responsabilidades até ao ponto de rotura, tratou-se de um inquestionável rombo no “casco” de uma instituição secular.
Mas se a atitude dos marinheiros pode ser considerada de inqualificável acto de indisciplina altamente condenável, que dizer então dos seus comandantes?
O Sr. Comandante Supremo das Forças Armadas, sempre ávido a comentar tudo, desta vez mergulhou no mar da covardia, e ficou-se pelo “nim”, na esperança de não ser arrastado para o lado errado da “maré”, que o poderia conduzir, quem sabe, à sua própria queda.
O governo, que chamou apressadamente Gouveia e Melo a comandar a Marinha de Guerra, talvez porque soubesse do estado obsoleto em que os nossos navios se encontram e da baixa moralidade dos militares, nada disse sobre o assunto além de anunciar um reforço de verbas. Uma vez mais, este governo, acordou depois das tragédias consumadas.
Já Gouveia e Melo, o competentíssimo homem do camuflado na categoria de enfermeiro mor da nação, desta vez vestiu o fato de político em pré-campanha presidencial. Nas entrelinhas das suas palavras, atirou Marcelo para fora da “balsa de salvação” e deixou-o na dura condição de náufrago em alto mar, assumindo ele próprio o papel de futuro capitão mor do país. Disse também Gouveia e Melo que este acto “Não manchará, certamente, a nossa reputação, mas será notado pelos nossos aliados, …”, como se o assalto ao Paiol de Tancos, entre outros episódios, não tivesse já provocado uma enorme cratera na nossa reputação. Mas, haverá maior dano que ter um primeiro ministro em directo nas TV’s a mostrar ao mundo que em Portugal até as vacas voam?
Qualquer que seja o futuro da nossa Marinha de Guerra, forjada na bravura e turbulência das ondas, mas com homens de carácter ao leme, merece muito mais que estes tristes episódios. É bom lembrar que paralelamente à sua condição militar, milhares de profissionais formados nas suas escolas, mantêm ainda hoje a grande indústria portuguesa em funcionamento, pois foi a Marinha de Guerra a formadora profissional de excelência, (especialmente na área da manutenção industrial), especialmente depois de o poder político, que agora deixa afundar os nossos navios e a nossa reputação, ter destruído as escolas comerciais e industriais.
Para terminar, deixo uma breve reflexão.
Perguntava o aluno ao seu mestre, supostamente numa aula de diplomacia política, como era possível o nosso país, herdeiro de marinheiros de tão grande e gloriosa epopeia marítima, ter caído em tão grande descrédito, tanta vez a roçar o ridículo. Ao que o mestre respondeu: “Nós não somos herdeiros dos marinheiros que descobriram o mundo, somos herdeiros dos portugueses que se acomodaram e por cá ficaram”.