Astronautas-cidadãos simulam que estão em Marte e contribuem para o avanço da ciência e para a comunicação de ciência

 Astronautas-cidadãos simulam que estão em Marte e contribuem para o avanço da ciência e para a comunicação de ciência

Durante quase um mês, estarei a acompanhar uma missão de simulação a Marte (e a sua preparação) que terá lugar no Utah, Estados Unidos. Como elemento em Terra (e baseada em Portugal), vou ter oportunidade de usar o mesmo sistema de comunicação que terão em teste. (imagem retirada de https://observador.pt/)

Vera Novais

No segundo dia do ano, seis pessoas rumaram ao deserto do Utah, nos Estados Unidos, para integrar a missão 238 na estação de simulação de Marte (Mars Desert Research Center), da fundação Mars Society. Nenhum deles treinou para ser astronauta, nem sequer costumam fazer investigação na área. São astronautas-cidadãos que têm interesse pela exploração espacial e que, naturalmente, estão entusiasmados por participar nesta missão.

Uma missão deste tipo levanta, naturalmente, muitas questões. Porque é que hão de pessoas não relacionadas com o espaço participar na missão? Ou mesmo, porque se há-se simular a vida em Marte na Terra? Ou ainda, de que serve gastar tanto dinheiro na investigação de uma potencial viagem a Marte? Será que vai mesmo acontecer? E outras perguntas que vos possam ocorrer.

Começo exatamente pela pergunta que não sei responder. Não sei se alguma vez iremos conseguir colocar humanos em Marte, não sei se vamos conseguir criar as condições para viver por lá durante uns meses como fazemos na Estação Espacial Internacional, nem tão pouco sei quando a ciência e a tecnologia estarão prontas para o fazer. Mas sei que para levar e manter humanos em Marte — ou até na Lua — há muita investigação e preparação que é preciso fazer com os pés bem assentes na Terra ou, pelo menos, dentro da nossa atmosfera.

A preparação em termos tecnológicos e operacionais está avançada, afinal já conseguimos fazer voar estruturas fabricadas pelo homem até Marte (ou até outros planetas, cometas e asteroides), máquinas essas que por lá ficam a fazer investigação em nosso nome, e há anos que mantemos astronautas na Estação Espacial Internacional. Mas nada disso é tão simples como preparar qualquer maquinaria na Terra: os equipamentos e atividades que serão levados para o espaço precisam de ser testados em ambientes que simulam gravidade zero ou a gravidade existente no astro onde vão aterrar.

Já o vi fazer num voo parabólico organizado pela Agência Espacial Europeia. A bordo testava-se, por exemplo, como é que os fluidos se comportavam em gravidade zero (como o óleo ou o lubrificante de um motor) e como é que um rover em Marte conseguiria passar as amostras de solo para uma pequena nave que estava em órbita à volta do planeta vermelho. Nesse voo, testava-se também várias reações do corpo humano em gravidade zero. Os próprios astronautas fazem treinos em voos parabólicos para se familiarizarem com a experiência de estar em microgravidade.

A missão 238, com astronautas-cidadãos vai testar uma outra componente da saúde humana — a saúde mental. Não será o suficiente para percebermos o que precisam os astronautas verdadeiros para se manterem bem psicológica e emocionalmente numa viagem que pode durar mais de sete meses, numa missão que se pode prolongar por, pelo menos, um ano, mas começará a dar pistas sobre o assunto e sobre que soluções podem ser usadas para minimizar os impactos negativos de uma comunicação que a esta distância terá sempre um tempo de espera entre o envio e a receção da mensagem.

Quando Marte está a mais de 360 milhões de quilómetros da Terra, as comunicações podem demorar 20 minutos para cada lado. Os sistemas que tentam compensar esta espera (que para um comum mortal, é desesperante) já começaram a ser testados em termos operacionais, mas neste Marte do Utah a comunicação em teste vai ser entre os astronautas-cidadãos e os entes queridos — e só vai ter um tempo de latência (desfasamento) de cinco minutos, como quando Marte está a 90 milhões quilómetros da Terra.

Estes primeiros dados vão ser a base de experiências futuras, estes astronautas-cidadãos vão guardar para sempre a possibilidade de terem contribuído para o avanço científico (ainda que de forma modesta) e a fundação Mars Society (que tem Elon Musk como um importante mecenas) vai cumprir o seu objetivo de promover e divulgar a investigação sobre Marte.

No fundo, a missão cumpre uma função científica e outra de comunicação de ciência. E vai acabar por cumprir também uma função social: se o sistema de comunicação em teste servir para melhorar o bem estar das pessoas que o usam, pode ser usado não só por astronautas como por populações na Terra que chegam a viver semanas ou meses em isolamento e com dificuldades em estabelecer contacto fora da comunidade.

É inegável que a exploração espacial — e em Marte — é motivada pela curiosidade humana, um dos grandes motores dos avanços tecnológicos e da humanidade. Mas, pelo caminho, há muitas descobertas e avanços que permitem melhorar a vida na Terra: são vários os exemplos na área da medicina ou da prevenção e mitigação das alterações climáticas, por exemplo.

Enquanto jornalista de ciência do Observador acompanhei os passos de preparação desta missão durante o final de dezembro e vou continuar a seguir a missão, que se inicia esta terça-feira, dia 4 de Janeiro, e dura até 15 de janeiro. A bordo está Pedro José-Marcellino, nascido em Lisboa, que nos contará diariamente o que por lá se passa.

*VERA NOVAIS, jornalista no Observador e presidente da SciComPt

Para si... Sugerimos também...

Deixe o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Subscreva a nossa newsletter