Antibióticos (Parte I): A natureza os deu, a natureza os levará?

 Antibióticos (Parte I): A natureza os deu, a natureza os levará?
Microbiologia rima com Energia
Célia Manaia, Docente e Investigadora da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, Porto

Os antibióticos foram uma das maiores conquistas da medicina. Além de permitirem curar infecções bacterianas adquiridas acidentalmente por diversas vias (água, alimentos, ar, etc.), os antibióticos vieram dar oportunidade de a medicina se tornar mais hábil no tratamento de muitas doenças. Sobretudo no campo da cirurgia, foi graças aos antibióticos possível realizar com segurança intervenções que antes teriam fracassado à mercê de uma simples infecção. É impossível sabermos hoje quantas vidas humanas foram salvas pelos antibióticos, mas, seguramente, foram muitos milhões.

Quando o visionário químico Paul Ehrlich (Alemanha, 1854-1915) sonhou com a existência de balas mágicas, estava longe de imaginar que elas estavam tão perto, muito provavelmente no chão que pisava. O seu sonho era que existisse um produto que pudesse matar as bactérias sem beliscar as nossas células. Esse sonho levou-o a encontrar a cura para sífilis através do uso de uma substância sintética e até um pouco tóxica, mas que salvava vidas. Mas nunca chegou a conhecer as verdadeiras e naturais balas mágicas. Nessa altura ainda não se sabia que a natureza, em particular o mundo microbiano, escondia esse tesouro.

Foram precisos muitos anos, uma sucessão de acasos e alguns espíritos empreendedores para que das balas mágicas se chegasse aos milagrosos antibióticos. Corria o ano de 1926, quando o azar de uma cultura contaminada deu a Alexander Fleming (Inglaterra, 1881-1955) a fantástica oportunidade de fazer uma descoberta que viria revolucionar a vida humana. Um bolor, não muito diferente do que aparece na fruta podre ou na compota estragada, tinha contaminado as suas culturas de bactérias e impedia que estas crescessem. Podia simplesmente ter deitado tudo ao lixo com um gesto de enfado, mas não o fez. Percebeu logo que tinha à sua frente uma descoberta fabulosa –a penicilina.

Os quase 20 anos que se seguiram até ao primeiro uso deste antibiótico (durante a II Guerra Mundial) foram longos. Por um lado, faltava a tecnologia, era preciso produzir o antibiótico em larga escala e conferir-lhe a pureza necessária para ser usado em medicina. Por outro, era preciso que alguém visse naquele produto uma boa ideia de negócio. E, embora a princípio muitos não acreditassem, aquela era uma excelente ideia de negócio… os anos que se seguiram assim o demonstraram.

Estava lançada a ideia: os antibióticos eram produtos naturais, produzidos por micróbios, que vivem, sobretudo, no solo. Encontrar novos antibióticos era, portanto, muito fácil. Para a indústria farmacêutica parecia ter surgido uma fonte inesgotável de riqueza, para a medicina abriam-se novos horizontes e esperanças. Até já se dizia que as infecções bacterianas tinham os dias contados…

Ano após ano, centenas de novos antibióticos foram sendo descobertos, ligeiramente alterados por síntese química e produzidos em larga escala. Além de serem fantásticos para curar infecções em humanos, também podiam ser usados para prevenir infecções na produção animal e agricultura.

Mas não era tudo… afinal também podiam ser utilizados como promotores de crescimento na pecuária intensiva, sobretudo em bovinos e suínos. Foram períodos de grande euforia para a indústria química e farmacêutica. Toneladas e toneladas de antibióticos foram produzidas e consumidas por humanos e por animais. Uma boa parte destas toneladas ia sendo libertada no estrume dos animais, nas lamas das estações de tratamento de esgotos, nos próprios esgotos… Enfim, o nosso pequeno planeta foi sendo invadido pelas muitas toneladas das fantásticas balas, que progressivamente iam perdendo a magia…

Voltaremos a este assunto mais tarde.

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