Acompanhar Discernir Integrar…

 Acompanhar Discernir Integrar…
Dom Antonino Dias

Em reunião de famílias convocadas para o efeito, esteve em análise o desempenho da nossa Igreja diocesana em relação à aplicação do capítulo VIII da exortação apostólica pós-sinodal ‘Amoris Laetitia-Alegria do Amor’. Para além de outros preocupações pastorais, Francisco propõe-nos cuidar de uma maior integração eclesial dos divorciados a viver em nova união: acompanhar, discernir e integrar a fragilidade é o desafio. Nessa reunião, foram recordadas as orientações diocesanas da Carta Pastoral ‘A Bem da Família’, de 2018, a qual, como é evidente, não dispensa a leitura da referida exortação do Papa Francisco. Ouviram-se testemunhos de quem fez o percurso de discernimento e de quem acompanhou esses mesmos percursos.

Os objetivos desta iniciativa continuam de pé: a) ajudar as pessoas que vivem e sofrem esta situação a que, na escuta e na força do Espírito, descubram a pedagogia divina da graça nas suas vidas; b) oferecer-lhes este caminho de discernimento para uma maior integração eclesial, segundo o desígnio que Deus tem para elas; c) apelar a todos os membros da Igreja e, de um modo muito especial, aos agentes da pastoral a que não se demitam de sensibilizar, sugerir e estimular as pessoas, que assim conhecem, a que abracem este caminho proposto pelo Santo Padre; d) esperar que as comunidades cristãs saibam respeitar, acolher e integrar, com amor e esperança, como família que se cuida e ama.

Esta solicitude pastoral não é nova. São João Paulo II, na Familiaris Consortio, e Bento XVI, na Sacramentum Caritatis, por exemplo, já exortavam todos os agentes da pastoral e as comunidades cristãs a que ajudassem os divorciados ‘recasados’ a não se considerarem separados da Igreja, a que vivessem integrados na comunidade cristã, sob as formas possíveis, e sugeriam várias possibilidades de o fazer (cf. FC84, SC29). Francisco, sugerindo um discernimento atento com um acompanhamento respeitoso (AL243), diz-nos que “A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda. São batizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes formas de exclusão, atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional, possam ser superadas. Não só não devem sentir-se fora da comunhão, mas podem viver e maturar, como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que sempre os acolhe, cuida afetuosamente deles e os encoraja no caminho da vida e do Evangelho. Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos, que devem ser considerados o elemento mais importante” (AL299).

O objetivo dum processo de discernimento é o de iluminar a consciência das pessoas para as ajudar a fazer um reto juízo sobre a sua situação diante de Deus. Este processo requer e desenvolve-se no tempo. Os vários agentes envolvidos no processo – pessoa ou casal de ‘recasados’ e acompanhante espiritual – devem aceitar que não se trata de um caminho para que Deus faça a vontade deles, mas um caminho para que eles procurem a vontade de Deus, seja qual for a conclusão a que possam chegar.

O acompanhante espiritual escuta, atenta e construtivamente, com humildade, propõe caminhos de oração e discernimento, ajuda as pessoas a que tomem consciência da sua situação, mostra o rosto materno da Igreja, anuncia o amor e a ternura de Cristo, repete às pessoas que o Senhor não está longe delas, as ama e lhes oferece uma nova possibilidade de crescer na fé e de se integrarem mais na Igreja, ajuda a fazer um juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja, evita que se caia no rigorismo ou no laxismo. Não julga, não decide, não controla, não faz juízos de valor, não acentua apenas o aspeto jurídico ou moral da lei.

As nossas orientações diocesanas apresentam este processo de discernimento em cinco etapas, procurando que o percurso se torne mais leve e sereno com a responsabilidade de quem parte e sente a alegria de caminhar e a esperança de chegar. O que propõem é um discernimento que distinga adequadamente cada caso. Cada caso é cada caso, não há casos iguais. Nem deve haver a tentação de alguém se querer comparar com situações que lhe parecem iguais, precisamente porque não há casos iguais, as situações e as responsabilidades podem ser muito diferentes. As cinco etapas que propomos na Carta pastoral ‘A Bem da Família’, podem sintetizar-se assim:

1.ª Etapa – Colocar-se na atitude de reta intenção, de verdadeira liberdade interior, garantindo-se “as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita da mesma” (AL300). Isso evitará a ideia de que se trata de uma ‘autorização’ geral para aceder aos sacramentos ou de rápidas ‘exceções’, privilégios ou dupla moral da Igreja.

2.ª Etapa – Fazer memória e exame de consciência do matrimónio sacramental. O objetivo é a reconciliação interior (e exterior se possível) com tudo o que foi vivido, com todas as pessoas envolvidas e com situações porventura mal resolvidas. Devem avaliar-se os condicionalismos ou fatores atenuantes ou agravantes, pois a imputabilidade e a responsabilidade de um ato também têm a ver com isso (cf. AL302). O exame de consciência é feito de acordo com os pontos apresentados pelo Papa Francisco (cf. AL300).

3ª Etapa – ‘Avaliação’ da relação atual. Trata-se de ‘avaliar’ essencialmente a estabilidade da nova união, o bem e a educação dos filhos, a prática religiosa, a vida espiritual e a missão da família.

4.ª Etapa – A Tomada de decisão. Percorridas as três primeira etapas, recolhidos todos os dados, tendo tomado consciência da presença de Deus, tendo digerido espiritualmente, como indivíduos, como casal e como membros da Igreja as várias fases da vida, chega a fase da tomada de decisão, com liberdade interior, em consciência. Essa decisão pode ser: a) não aceder aos sacramentos; b) aceder aos sacramentos; c) o discernimento deve continuar, ainda há passos que é conveniente dar, mas sem deixar de praticar a fé e frequentar a comunidade.

5.ª Etapa – Confirmação da decisão tomada. Um tempo de oração mais forte diante do Senhor, deixar-se tocar pela sua presença, pedir-lhe que confirme a decisão tomada e, se não sentir sinais contrários, assumi-la com liberdade. Não é ao orientador ou a quem acompanhou que compete tomar a decisão. Este só tem de assegurar que todo o processo decorreu como devia e deve reconhecer o papel da consciência das pessoas, até porque ‘somos chamados a formar consciências, não a pretender substituí-las” (AL37).

Dentro desta solicitude pastoral, é evidente que a Igreja não pode deixar de propor “o ideal pleno do matrimónio, o projeto de Deus com toda a sua grandeza” (AL307). Com renovado sentido de responsabilidade, tem de continuar “a propor o matrimónio nos seus elementos essenciais – a prole, bem dos cônjuges, unidade, indissolubilidade, sacramentalidade – não como um ideal para poucos, não obstante os modernos modelos centrados no efémero e transitório, mas como uma realidade que, na graça de Cristo, pode ser vivida por todos os fiéis batizados”. «Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimónio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer» (AL, 35).

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