A lição “que belo Dia da Mulher!”

 A lição “que belo Dia da Mulher!”
Fátima Fonseca, Professora

Era o dia Internacional da Mulher, 8 de março, todas as montras das lojas o recordavam, mas Isabel não achava grande graça a essas efemérides e o dia tinha-lhe corrido mal…

Havia greve no hospital e a pequena cirurgia prevista fora-lhe cancelada à última hora. Tanto tempo perdido! De regresso ao escritório de advogados, tivera más notícias: depois de tanto trabalho, os clientes franceses tinham desistido da compra da fábrica que ela intermediava.

Atrasada, como de costume, Isabel lá arrumou o carro onde pôde, junto ao antigo quartel e caminhou contra o vento frio, rua acima, com um saco cheio de salgados para o jantar de anos do sobrinho e uma flor para a sobrinha. Era a única tia ainda viva, ficara solteira, mas estava sempre disponível e de coração aberto para ajudar a família, de quem tanto gostava!
Bem viu um sem-abrigo a vasculhar nos caixotes de lixo, mas não parou…já ia atrasada… Pelo caminho, cansada e ofegante, ia alternando desculpas pela pressa, enquanto uma voz incómoda lhe dizia interiormente

por que não paraste e não lhe deste ao menos um pastel???

A noite estava fria. Isabel acelerou o passo, sem se voltar para trás…

Por fim, ali estava à porta do prédio. Aborrecida consigo própria, tocou à campainha, subiu no elevador e foi recebida logo à porta com grandes manifestações de alegria dos sobrinhos-netos de várias idades. Enquanto despia o casaco, distribuía os chocolates habituais pela pequenada e entregava o saco dos salgados, aproximaram- se os donos da casa, seus sobrinhos, a quem abraçou com ternura, felicitando o aniversariante.

Depois, entrou na sala e cumprimentou cada um dos outros familiares ali presentes.
De repente, ele apareceu, no seu jeito desengonçado, todo sorridente, beijou-a e perguntou- lhe o nome. Isabel sorriu e respondeu- lhe. Lembrava-se dele ainda pequenito, mas não se viam há muitos anos.

Quando se sentaram, ele foi para junto dela, sempre a sorrir, deu- lhe uma palmada amigável nas costas e apresentou- se:

Olá, Isabel! Eu sou o António! Hoje é dia da Mulher! Parabéns! Tu és guapa! És uma miúda gira…

Isabel mal conteve o riso… com tal piropo! Isabel nunca se achara bonita e do alto dos seus 68 anos, cheia de rugas e com o cabelo branco muito curto (por causa da cirurgia afinal adiada…), só podia mesmo desatar a rir e todos se riram também, quando ela comentou: ‘Já ganhei o dia…
Em seguida, ele perguntou- lhe se ela tinha telemóvel e pediu-lhe o número para lhe telefonar, acrescentando: ‘Depois tu ligas-me também!

O pai chamou-o de parte e disse- lhe para não incomodar aquela senhora que não era propriamente da mesma idade… mas Isabel não se importava, e divertida, foi sentar-se ao lado dele. ‘Gostas de futebol? Qual é o teu clube?’- perguntava- lhe ele, com grandes gestos e esforçando- se por articular bem cada palavra.

Obviamente, estava encantado por Isabel lhe dar atenção. Aliás, era um miúdo encantador, pois olhando cada um dos presentes, começou a dizer-lhes: ‘Sou teu amigo, Manel! Tu és bom e querido! Sou teu amigo, Júlia, tu és querida e linda! Parabéns pelo dia da Mulher!
Sou teu amigo, Pedro! Tu és bonito, alto e alegre!…

Pouco depois, voltando- e de novo para Isabel, disse- lhe: ‘Sabes? Eu tenho novidades:

Faço teatro e trabalho com os sem-abrigo ‘.

Isabel sentiu um arrepio… ‘trabalhas com os sem- abrigo? O que fazes?
Queria saber o que ele fazia, mas entretanto começara o jantar e o António que estava cheio de fome, como por encanto, desinteressou- se de Isabel e da conversa, e lançou-se vorazmente à comida…
(E Isabel lembrou- se do sem-abrigo… lá fora, na noite fria…).

António, mais conhecido por Toninho, era agora um jovem de 23 anos, mas continuava a parecer um menino…de pequena estatura, com cabelo muito liso, olhos pequenos, carinha redonda e ar de chinesinho.

Isabel admirava muito aqueles pais, parentes do seu sobrinho aniversariante. Conhecia a história do Toninho… que tinha Síndrome de Down, ou trissomia 21. Alguém o levara ao hospital, ainda bebé, para ser operado de urgência ao coração e ali ficara abandonado. Porém, uma das enfermeiras que ajudara à operação, encantara- se com aquele pobre bebé, e convencera o marido a permitir que o pequenito lá fosse a casa passar os fins-de-semana, e mais tarde, as férias. Tornaram- se assim família de acolhimento! E o amor crescera entre os três!

A enfermeira, mulher de muita garra, e seu marido, um homem muito generoso, tinham perdido um filho sensivelmente da mesma idade, alguns anos atrás, e aquele pequenito tornara- se para eles uma razão de viver.

E assim, cada conquista daquele menino, cada aprendizagem, cada problema de saúde ultrapassado, eram pequenas vitórias que lhes enchiam o coração. Com eles Toninho aprendera a comer, andar, e falar; mais tarde, aprendera a andar de bicicleta, a conviver com os primos, a brincar com todos, a nadar, a ler, a contar e a escrever…ele era o centro das atenções sempre que a família se reunia. Fora adotado pelos pais, mas também se tornara um verdadeiro bem para toda a família, um hino à vida, com a sua alegria contagiosa, os seus abraços e os seus gestos de ternura!

Naquela noite, ao cantarem os parabéns ao sobrinho, Isabel comoveu- se ao ver como Toninho batia as palmas de felicidade e com eles cantava na sua voz tão característica. Aquele miúdo de 23 anos conquistara o seu lugar e mudara a vida de toda aquela família!

Antes de partir, Isabel foi à cozinha e pediu à sobrinha, discretamente, se ainda lhe arranjava algumas sobras para um sem-abrigo que ali andava na rua a remexer nos caixotes do lixo. ‘Claro que sim, tia, mas já não é preciso, porque o Toninho também o viu e já veio aqui pedir para levar comida a um sem- abrigo que estava lá em baixo, junto ao quartel.

Saíram todos juntos, pois iam na mesma direção.
Perto do quartel, o sem-abrigo já dormia, embrulhado num cobertor, rodeado de sacos e com uma caixa de cartão a fazer de cama.

Então, Toninho correu para ele, baixou-se, e cuidadosamente, pousou ao lado o saco com comida…

Isabel, despediu- se, apressadamente, para não verem as lágrimas que lhe corriam, entrou no carro e seguiu para casa, pensando na lição do Toninho, com Síndrome de Down: um coração de ouro e um verdadeiro Hino à Vida!

Esquecera entretanto, os aborrecimentos do seu dia… que belo Dia da Mulher!

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